Nascido a beira-mar, cheio de azar, no meio de uma família pobre, sobrevivia à custa do que lhe davam, ou do que ele conseguia arranjar. Apesar das suas dificuldades, não roubava. Fazia tudo, mas não roubava.
Sozinho, foi crescendo, habituando à dureza que é a vida, sobretudo tinha imensos valores a defender. Aprendeu sozinho, a conhecer o mundo.
Sair cedo para ir pescar, dedicar-se à agricultura e poder ter o suficiente para viver. Crescer e mal saber falar, não sabia ler nem escrever, mas isso pouco lhe interessava, tinha esperteza para conseguir aquilo que queria.
Foi crescendo longe dos bonecos, sem aquelas brincadeiras que todos têm, sem receber os parabéns no seu dia de anos, sem receber uma única prenda na época natalícia.
Estava abandonado, a família já nem sabia dele, viajava de terra em terra, prestando serviços que lhe garantiam a estadia e o sustento. Era conhecido como o “Labouras”, sempre bem falado, educado, charmoso, trabalhador, simpático.
Sempre à beira-mar, ele vivia só, digamos, apenas tinha um amigo, o oceano. Era com ele que desabafava, era com ele que passava as noites quentes e frias, era ele que o ouvia mesmo que o rapaz não falasse.
Enxugava-lhe as lágrimas, ouvia as suas canções. Mas vivia só.
Fez 18 anos, uma data importante, mas nesse dia, tinha muitas terras a percorrer, tinha de fazer mais alguns trabalhos, passando o dia sem sequer que alguém lhe disse-se, “És um homem, estás grande”.
Ninguém, nem ele mesmo, se importou com isso, já estava habituado a viver assim, a que apenas o admirassem pelo que era, que gostassem da pessoa que era, mas ninguém lhe dava a mão, ninguém lhe dizia, “anda comigo”.
O rapaz cresceu, via todo o mundo divertir-se em festas, mas ele não ia, por ter vergonha de nem saber bem o que aquilo era, e por não ser boa companhia de ninguém.
Foi envelhecendo, chegada aquela idade que as forças não são as mesmas, que já não há capacidades para muito. Estava a ficar debilitado, foi deixando todo o seu trabalho, e apenas por respeito ao que ele foi no passado, não lhe faltava nada, do que era necessário, tinha mantimentos, roupa, comida.
Enfim, certo dia algo o levou, levou a sua alma, para lugar incerto. O mar encarregou-se de guardar seu corpo, levou-o para o fundo das águas, guardando o seu melhor amigo no lugar das jóias, no lugar mais importante, bem perto do seu coração.
Aquele velho, passou a ser apenas uma história, uma lenda, que nunca se apaixonou.
[Foto by VenusN]
1 comentários:
infelismente existem muitos casos assim.... mas nos pr vzs nem para o lado olhamos....
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