domingo, 10 de outubro de 2010

Olhares

Ali está um mendigo. Correcção, ali está um arrumador.
Simples, desgastado, com a tristeza da vida que leva a transbordar pelas rugas de uma face apagada por uma alma morta que vagueia este mundo. Perdida sem futuro nem passado.
Magro como dois palitos enfiados nas calças de ganga, justas e engelhadas.
Um tipo que não sabe porque vive. Vê alguém e faz-lhe sinal. Quieto acena sem um jornal, sem a digna imagem de um arrumador. Tantos que o tentam imitar e no fundo nunca há jornal. A vida está tão difícil para eles que nem uns trocos para isso têm.
Mas essas moedas acabam por aparecer. Mais uma alma caridosa que nada deve mas ajuda. Com esta, completa um euro. Por momentos desaparece.
Passa por mim que estou estático a sentir o frio na minha face. De repente desaparece da minha vista e pensei que a história terminasse ali.
Voltou a passar por mim, mais frágil do que imaginava, curvado, com a idade de alguns anos perdidos em coisas que não fazem sentido. Levava uma cerveja na mão e de repente parou.
Continuei a vê-lo sem juízos nem julgamentos.
Apanhou uma beata do chão, um cigarro quase tão inteiro deixado por alguém que, de certo, estava com pressa. Um gesto tão solene que iria acabar com a vida dele em poucos segundos. Morrerá em breve, não é um desejo, uma certeza.
Prosseguiu, ocupou de novo o seu posto e continuou à espera que a sorte lhe trouxesse uma vida melhor.
Deu um trago na cerveja e dei por mim a pensar no que iria na cabeça daquela pessoa.
Lamentei baixinho para a minha alma. Olhei para o lado e vi o senhor do quiosque a olhar para mim, acenou também com insatisfação. Mutuamente compreendemos que há coisas perdidas no mundo.
Voltei a olhar o arrumador e, no final de tudo, sorri. Há coisas que têm de ser mesmo assim, cada um no seu lugar.

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